
Este ano o Domingo do Bom Pastor, 4º Domingo de Páscoa, coincidiu com o Dia da Terra. Achei interessante e gostaria propor algumas reflexões a partir destes dois temas, para mim necessários e indispensáveis para a fé cristã!
A evangelho proposto (Jo 10, 11-18) apresenta a figura de Jesus que se declara o Bom Pastor em oposição à figura do mercenário. Jesus, o pastor que dá a vida pelas ovelhas é o cordeiro de Deus (Jo 1,29). Há aqui uma relação curiosa: o nazareno é ao mesmo tempo o cordeiro e o pastor. No fundo, vemos que João indica à sua comunidade (e claro, à nós hoje) um caminho, um modelo de seguimento! O verdadeiro pastor, em oposição aquele que só trabalha por um salário (mercenário), é aquele que está atento às necessidades das ovelhas. Ele não vai onde quer, onde é melhor para si. Ele vai buscar pastos vastos e verdes para as ovelhas, não para si. Ele busca lugares seguros também para elas, longe dos lobos e é capaz de arriscar sua vida por elas. Ou seja, é o caminho das ovelhas e com as ovelhas que o verdadeiro pastor faz. Não é, senão, uma figura da encarnação de Jesus que vive a vida dos homens e com os homens? Jesus é o Bom Pastor porque tomou o lugar das ovelhas, a ponto de ser oferta da salvação para nós.
Pode parecer difícil, mas este é o caminho indicado também para nós. Temos que ser ovelhas! Não podemos buscar, como cristãos, apoiar nossa fé e nossa conduta diária numa suposta autoridade dada pelo evangelho de Cristo. Jesus não conduz suas ovelhas porque manda nelas, por autoridade. Ele as conduz, ao contrário, porque criou com elas uma íntima relação de amor, cuidado e liberdade. Ele as conduz para fora do redil. Ele abre para a humanidade possibilidades novas, de nova existência. Os limites (puro e impuro, sagrado e profano, dentro e fora, etc.) ganham novos contornos.
Da mesma forma podemos analisar a relação do homem com a terra, com nosso planeta. Muitas vezes, por desconhecimento das sagradas escrituras ou por puro comodismo somos levados a entender que somos autoridade sobre a criação. O relato de Gênesis - "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra. (Gn 1,28) - é visto como justificativa para que o ser humano possa fazer o que quiser com a terra. Estamos completamente enganados.
A autoridade que Jesus, como Bom Pastor nos indica, é a autoridade do amor, do cuidado e de liberdade. O primeiro passo é identificarmo-nos com a Terra. Como Jesus é ovelha, nós somos terra. Somos o planeta. Fazemos parte dele. Não podemos nos desligar da complexa rede de vida de todo o planeta. Somos dependentes destas relações. Como apontado pelo Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si, "devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre todas as criaturas" (LS, 67). Isto seria agir como mercenários, aquele que se preocupa consigo mesmo, seu salário, seus interesses, sua vida própria.
Sendo cristãos que assumiram de fato a proposta de liberdade de Jesus, não podemos ser mercenários com a natureza. Temos que assumir o planeta como jardim. Jardim que devemos cultivar e guardar (Gn 2,15). Jardim do qual nós mesmos somos parte. Somos convocados a trilhar nossa existência em profunda relação como Jesus com suas ovelhas. Amor, cuidado e liberdade.
Mais adiante no evangelho de João, Jesus Ressuscitado é visto por Maria como sendo o jardineiro (Jo 20, 11-18). Esta imagem, longe de ser uma simples ilustração, pode ser para nós hoje um convite implicante e responsável. Como Jesus, Pastor por excelência por ter assumido o lugar das próprias ovelhas, somos também convidados a sermos jardineiros. Jesus é o jardineiro por excelência, que cuida de toda a criação e a redimi de forma definitiva por sua ressurreição. Queremos, também nós sermos jardineiros da criação. Não mercenários, que cuidamos simplesmente porque receberemos algo em troca, uma recompensa. Jardineiros, não mercenários!
Como diz a oração conclusiva deste 4º domingo de Páscoa na Liturgia das Horas, que "o rebanho possa atingir, apesar de sua fraqueza, a fortaleza do Pastor". Que a força do Ressuscitado nos ajude neste caminho de cuidado com o planeta Terra, com a plena consciência que o planeta somos também nós.